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Truman Capote pela Sextante Editora


No atril da Sextante Editora, abre-se agora o compacto Contos Completos de Truman Capote (1924-1984): "Quanto a mim, podia deixar este mundo com o dia de hoje nos olhos." – lê-se e, no efeito influído da contemporaneidade fugida do convencionalismo da moderna escola gótica sulista, onde Capote amalgamou os seus primórdios como escritor, na tempestade ríspida pelo desarraigar parental, pela separação completa e pela carência real do que era necessário para a sua vida, surge-nos, num influxo quase de Anton Tchekov, com os contos Uma recordação de Natal, O convidado do dia de Acção de Graças e Um Natal.
Deste modo, nasceu com Capote (assim como, com Tom Wolfe, John Reed, John Hersey, entre outros) e com o romance A Sangue Frio nos EUA, o giro literário New Journalism, na admirável narrativa do assassinato da família Clutter, em Holcomb, Kansas onde, os dois "meninos" – como o autor os apelidava –, constituíram ênfase na pesquisa pelo próprio autor, sendo, os seus livros, no entanto, por ele nomeados como "romances de não-ficção". 
Esta obra maciça e não oca leva-nos em cronologia temporal exacta, a arte escrita de Capote a estrondear perícia pela sociedade snobe em As paredes são frias (1943): "A anfitriã ajeitou o elegante vestido preto e franziu nervosamente os lábios. Era muito jovem e pequena e perfeita. (…) Já passava das duas e estava cansada e só queria que se fossem todos embora, mas não era nada fácil ver-se livre de cerca de trinta pessoas, especialmente quando a maior parte bebera já rios do scotch do seu pai." Por outro lado, em vulto relevo, Miriam (1945): "Largou o casaco e a boina numa cadeira. Trazia mesmo um vestido de seda… Seda branca. Seda branca em Fevereiro. (…) «Gosto da sua casa», disse ela. «Gosto do tapete, o azul é a minha cor preferida.» Tocou numa rosa de papel que estava num vaso, no centro da mesinha junto ao sofá. «Imitação», comentou ela, num tom desconsolado. «Que coisa mais triste… Não lhe parece que são uma coisa bem triste, as imitações?»". Conto publicado pela revista Mademoiselle e que acarretou a Capote o O. Henry Award (melhor conto inédito) em 1946, atraindo a editora Random House para um contracto.
Neste facto, Truman Capote engolfou-se em Outras vozes, outros lugares, um verdadeiro resquício semiautobiográfico que, pelas suas pontuais palavras: "Foi uma tentativa de exorcizar demónios, uma tentativa inconsciente e totalmente intuitiva, na qual eu não estava ciente, excepto em alguns incidentes e descrições, da existência de qualquer grau autobiográfico". 
Os vinte contos reunidos neste livro reverberam a imensidade e a soma inequívoca de quem foi Truman Capote na respiração, nas palavras e nos espaços, derrubado profundamente, nos últimos anos da sua vida, pelo valhacouto de drogas, álcool e pela vivência sexual convulsa e destruidora. Sem tiro, Capote deixa-nos a pugna para a análise justa: "(…) e era como se fogueiras ardessem no vermelho céu nocturno, e a paisagem do Sul, tão estranha, tão inatural, que ele observara do comboio com tanta assiduidade, e que, numa tentativa para sublinhar tudo o mais, revisitava agora com os olhos da memória, exacerbava nele o sentimento de que viajara rumo ao fim, rumo à queda no abismo." – Fechar uma última porta (1947).

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Deferência em duas notas. Melhor Design de Literatura para Contos Completos pela parceria LER/Booktailors – Prémios de Edição (2009) e pela tradução tão ausente de José Vieira de Lima, cuja translúcida qualquer não aperte travão.

Contos Completos
Truman Capote
Tradução de José Vieira de Lima
Sextante Editora
2008

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